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Depressão e Burnout na liderança – Como florescer ao invés de se esgotar?

Nunca se falou tanto de burnout. O tema está em capa de revista, jornal, artigos científicos e nas mídias sociais. Passei por isso em 2011. Só depois de buscar tratamento descobri o que significava. Descobri também que o tema não é interessante só para psicólogos e médicos, mas também para líderes.
Eu estava concluindo meus 2 anos de trabalho de consultoria do governo alemão em um projeto na Zâmbia quando observei sintomas de esgotamento mental, cansaço extremo, desânimo, sabendo que algo precisava mudar, mas eu não conseguia tomar decisões com clareza.

Retornei para a Alemanha e, um evento aparentemente insignificante, disparou uma crise de choro incontrolável. Busquei ajuda de uma amiga psicóloga e ela me ajudou a encontrar o cuidado profissional adequado. Ali foi o início da transição profissional que me impulsionou para o que faço hoje. Desde então sigo buscando informação e formas de lidar com assuntos que afetam a saúde física, emocional e mental.

Foi quando me deparei com a palestra de Daniela Blickhan, psicóloga e coach alemã, cujo título dava nome à escolha que fiz: “Florescer ao invés de se esgotar”.
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Apesar das estatísticas atuais alarmantes sobre depressão e burnout, há uma boa notícia: Do outro lado do esgotamento está a possibilidade de um florescer, e isso se pode aprender. A importância desse tema dentro das organizações é porque os números só crescem e o tema ainda é estigmatizado.

Os dias de falta no trabalho por tensão psicológica duplicaram desde 2000 e representam 12,5% de todas as faltas. Uma empresa com 50 empregados tem uma média de 100 dias de falta por ano. A média geral de faltas comuns é de 30 dias, enquanto das faltas por depressão é de 39 dias. Em doenças comuns, se falta em média de 2 a 4 dias. Em doenças por tensão psicológica, se observa falta de 6 a 8 semanas, além do tempo de aclimatização que a pessoa precisa para voltar ao seu desempenho anterior, quando consegue. (Dados do sistema de seguros obrigatórios de saúde da Alemanha, 2012). Esses dados só cresceram e ainda não temos estratégias suficientemente efetivas para mudar.
Como está o dia a dia em seu trabalho?
Se no seu contexto também é comum ver todos com um smartphone nas mãos (ou mais), um tablet, o laptop aberto e a tentativa constante de ser multitarefa perante as demandas sempre urgentes – atenção – você está num ambiente propício ao burnout. A complexidade só aumenta, a necessidade de respostas rápidas também, mas a nossa habilidade de fazer a gestão de tudo isso não mudou, porque temos um limite do que somos capazes de processar de informação, tensão e pressão.
Nesse cenário, como podemos atuar para melhorar?
Primeiro, é preciso diferenciar depressão de burnout, pois normalmente são falados como se fossem a mesma coisa. Burnout, em estágios mais avançados, tem sintomas parecidos com a depressão, mas nessa última os sintomas são cíclicos, vão e voltam, e representam uma carga psicológica pesada que aumenta se não for tratada. Burnout não é considerado uma doença, mas um estado de esgotamento físico e mental.

Entre os anos de 2007 – 2011, em apenas 4 anos, o consumo de antidepressivos duplicou na Alemanha. Um dado tão difícil de digerir quanto os próprios medicamentos. A OMS (Organização Mundial da Saúde) previa que, até 2020, a depressão seria a segunda doença mais comum do mundo. Uma verdadeira pandemia silenciosa.

Não se trata mais de endereçar casos individualmente, mas de desenvolver um olhar sistêmico e trabalhar com grupos, equipes e toda a organização para mudar a cultura em torno do tema.

Mais alguns números expressivos de burnout vindos da palestra de Daniela:
Pedidos de licença aumentaram em 700% (2004-2012);
Dias de falta aumentaram em 1400% (2004-2012);
85% dos casos apresentam sintomas adicionais (físicos ou psíquicos);
Dos diagnósticos de burnout, cerca de 50% recebem orientação médica em estágios iniciais com a recomendação de simplesmente interromper a roda de hamster (tirar férias, relaxar);
Os outros 50% já chegam em estágios com sintomas adicionais de sobrecarga física e/ou psicológica.
Esses são números da Alemanha, mas há um padrão parecido em outros países como Áustria, Inglaterra e Estados Unidos. Para dados no Brasil, vale a pena escutar o podcast do Marcelo Cardoso:

Episódio 41 - Saúde mental não é fraqueza individual

Como crescer e florescer com experiências de depressão e burnout?
Ainda as terapias cognitivo-comportamentais tem sido as mais indicadas. Porém, há limitações a se considerar e muitas novas alternativas disponíveis. Martin Seligman, psicólogo especialista em tratamento de depressão, desenvolvendo, aplicando e treinando pessoas em uma das terapias mais conhecidas na Alemanha, vem observando após os seus tratamentos nos últimos anos:
“Tratei a depressão e ganhei um paciente vazio” (I’ve got an empty patient).
Ele observou que um paciente sem depressão pode ainda não estar em contato com sua capacidade de florescer e exercer seu máximo potencial. Daí seu livro dando sequência às suas novas descobertas se chamar Flourish (Florescer). É importante o paciente sair de um diagnóstico de depressão, mas há indícios de que, mesmo doente, há possibilidades de um paciente florescer.

Com esse termo “florescer”, Kies explica que, mesmo estando em algum estágio de adoecimento por depressão, a pessoa pode encontrar um estado psíquico de bem-estar caracterizado por:
Autoaceitação
Relações positivas que nutrem
Autonomia
Eficácia
Sentido e orientação a um objetivo
Crescimento pessoal
A partir dessas bases nasceu a psicologia positiva. Mas Karl Rogers já sabia disso mesmo antes com sua psicologia humanística centrada no cliente: “Werde wer du bist” (Torne-se quem você é).
O termo florescer vem da botânica. Com rega, adubo e sol, uma planta pode florescer. Mas como “regar” e “adubar” pessoas?
É preciso descobrir o que importa e pelo que faz sentido viver. É preciso compreender um objetivo verdadeiro, formulá-lo, reconhecer que vale a pena chegar até lá.

Para o objetivo ser mesmo um objetivo que vale a pena, precisa ser sentido. Não funciona só a pessoa ou alguém dizer que vale a pena. É a compreensão emocional do objetivo que faz a pessoa se conectar e se comprometer com ele.

Somente a motivação e o querer verdadeiro não são suficientes. É preciso também uma estratégia para sustentar mudança. E conseguimos sustentar melhor quando focamos no reforço positivo e não somente no que está difícil e disfuncional. Há evidências científicas que quando o líder foca nas forças ao invés de focar nas fraquezas, o time melhora seu desempenho (busque estudos do Gallup sobre isso).

As pessoas também respondem melhor quando são motivadas por valores vividos e exemplos. É destrutivo para a motivação ter missão, visão e valores pendurados na parede e que não são vividos.

Outro fator que mostra que estamos florescendo é entrar em flow, ou estado de fluxo. É aquele momento mágico em que você está trabalhando em algo desafiador, se desliga do mundo lá fora e mantém tamanha concentração que o tempo parece desaparecer. Muita gente acha que isso só é possível na vida pessoal, em momentos de lazer e prazer, mas é possível também no trabalho. Flow é um estado que libera oxigênio no cérebro e o corpo sai do estado de alerta, por isso, é um mecanismo natural contra estresse e que pode ser acessado a qualquer momento. Quem está em flow está no ápice de seu desempenho e produtividade.

A pergunta é:
Como construir momentos de flow para melhorar seu dia a dia no trabalho?
Ter suas necessidades psicológicas básicas atendidas é uma forma de impulsionar esse estado.

Mas não há como fazer isso artificialmente. O que mais faz as pessoas entrarem naturalmente em estado de flow é seu posicionamento interno perante o emprego ou trabalho. Eis algumas diferenças:
O emprego ou trabalho tem foco somente em ganhar dinheiro, a pessoa não vê a hora de chegar a sexta-feira e o salário na conta – não há estado de flow.
A Carreira vista somente como um meio de atingir reconhecimento, status e bem-estar financeiro – isso funciona bem até começar a roda de hamster.
O Chamado ou propósito que torna o trabalha um reflexo dos valores pessoais. A pessoa vê significado no que faz.
Se você tem energia e sempre encontra resposta para a pergunta: por que levantar de manhã e ir para o trabalho? Aqui tem mais chances de entrar em estado de flow.

A recomendação de Daniela é que todos os líderes passem por programas de treinamento e coaching para tomarem consciência de seus propósitos e ressignificar o porque de seu trabalho. Quando os líderes fazem isso, naturalmente permeiam esses valores em suas equipes.

Treinamentos que promovem incorporar novos hábitos tem melhor resultado quando os participantes encontram um parceiro de aprendizagem para estabilizar esses hábitos. Quando ensinamos em nossos treinamentos os processos de escuta generativa com o Thinking Environment ou Teoria U, sugerimos que uma a duas vezes por semana colegas se encontrem para se apoiarem em seus objetivos. Só o fato de uma pessoa falar de seus objetivos e ter alguém que escuta sem julgar aumenta a probabilidade de alcançar esse objetivo.

E o sucesso dessas medidas podem ser observados em resultados com parâmetros positivos subjetivos, como a sensação de florescer, satisfação com a vida e maior bem-estar, e parâmetros duros, como depressão, risco de burnout (já existem vários testes e questionários adequados para isso).

Se os efeitos forem verificados após 2 meses, é provável que irão perdurar. A pesquisa de Daniela verificou que a curva de depressão nas empresas onde atuou caiu drasticamente só com o coaching. Em todos os parâmetros positivos houve mudança significativa.

Em resumo, florescer é um processo de aprendizagem que pode ser impulsionado pelo indivíduo ou pela empresa. Mesmo com métodos minimamente invasivos, é possível ver resultados tangíveis, somente pelo fato a pessoa ter algumas necessidades básicas atendidas, como se perceber novamente sendo eficaz, experimentar a própria competência e tomar consciência das próprias forças.

Umas das maiores necessidades humanas que contribui para o burnout ao ser ferida é a falta de autonomia. Autonomia é o oposto de ser conduzido por outros, ter alguém que pensa e decide por você, ou ser marionete.

Outra necessidade que pode rapidamente ser restaurada por intervenções simples é a capacidade de se relacionar. Se um curso, coaching ou mentoria for bem sucedido e as práticas sustentadas por um mínimo de 2 meses, observamos a restauração de vínculo, confiança e conexões sociais. Em tempos de trabalho online, se provou ser essencial e necessário ter contato olho no olho, presencial e não só na tela, mesmo que por pouco tempo.

O foco nos déficits confirma o aumento do risco de adoecer. Por exemplo:
Focar no déficit de competência faz a pessoa aos poucos adquirir impotência.
Focar no déficit de relações provoca o afastamento social.
E esses 2 pontos acima são receitas para depressão.
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Para finalizar, uma reflexão que pode ser útil para mantermos nossa saúde mental em dia:
1.   Escolha uma área da vida para observar.
2.   Como está o “nível de abastecimento” das suas necessidades? Como tem experimentado nessa área da vida a sua autonomia, competência, suas relações.... e outras necessidades?
3.   Como você cuida ou poderia cuidar mais para se reabastecer nessas necessidades?
4.   E como isso poderá se manifestar positivamente na área da vida que escolheu observar?
Compartilhe comigo suas reflexões!
Informações e relatos extraídos parcialmente da palestra de Daniela Blickhan “Aufblühen statt Ausbrennen” no Congresso "Positive Psychologie" in Rosenheim, Alemanha, 05.- 06. julho de 2014, reproduzida online pelo Auditorium Netzwerk em Abril 2022 (https://shop.auditorium-netzwerk.de/custom/index/sCustom/727)

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