Depressão e Burnout – Como florescer ao invés de se esgotar? 

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Nunca se falou tanto de Burnout. O tema está em capa de revista, jornal, artigos científicos e nas mídias sociais. Mas o que significa isso exatamente? Qual o custo disso para as empresas? E porque esse tema não é interessante só para psicólogos e médicos, mas também para líderes. 

Acompanho na Alemanha a palestra de Daniela Blickhan, psicóloga e coach há 25 anos, que aborda o tema “Florescer ao invés de se esgotar” com estatísticas atuais alarmantes sobre depressão e burnout. A boa notícia é que o burnout é só um lado da moeda. Do outro lado está a possibilidade de um florescer, e isso se pode aprender, também nas organizações. Eu passei por isso, conheço muita gente que passou. Ainda é um tema estigmatizado. Proponho criarmos espaços para falarmos mais abertamente sobre ele. 

Daniela começa convidando para avaliar: Como está o dia a dia em seu trabalho? 

Todos com um smartphone nas mãos (ou mais), um tablet, o laptop aberto, a tentativa constante de ser multitarefa, as demandas sempre urgentes, a complexidade só aumentando. Nesse cenário, alguns dados também aumentaram.  

Acervo pessoal. Palestra de Daniela Blickhan “Aufblühen statt Ausbrennen” no Congresso "Positive Psychologie" in Rosenheim, Alemanha, 05.- 06. Juli 2014, reproduzida online pelo Auditorium Netzwerk em Abril 2022 (https://shop.auditorium-netzwerk.de/custom/index/sCustom/727) 

Dias de falta no trabalho por tensão psicológica: 

  • Duplicaram desde 2000; 
  • Representam 12,5% de todas as faltas; 
  • A cada 100 segurados, 200 dias de falta. Ou seja, se uma empresa tem 50 empregados, isso significaria 100 dias de falta por ano; 
  • Média geral de faltas comuns: 30 dias; 
  • Média de faltas por depressão: 39 dias;
  • Em doenças comuns, se falta em média de 2-4 dias;
  • Em doenças por tensão psicológica, se observa falta de 6-8 semanas, além do tempo de aclimatização que a pessoa precisa para voltar ao seu desempenho anterior, quando consegue. 

(Dados do sistema de seguros obrigatórios de saúde da Alemanha, 2012). 

Como podemos atuar para que esses números se reduzam? 

Daniela nos chama atenção para diferenciar depressão de burnout, pois normalmente são falados como se fossem a mesma coisa. Burnout, em estágios mais avançados, tem sintomas parecidos com a depressão, mas nessa última os sintomas são cíclicos, vão e voltam, e representam uma carga psicológica pesada que aumenta se não for tratada. Burnout não é considerado uma doença, mas um estado de esgotamento físico e mental.  

Entre os anos de 2007 – 2011, em apenas 4 anos, o consumo de antidepressivos duplicou na Alemanha. Um dado tão difícil de digerir quanto os próprios medicamentos. A OMS (Organização Mundial da Saúde) previa que, até 2020, a depressão seria a segunda doença mais comum do mundo.  

Não se trata mais de endereçar casos individualmente, mas de desenvolver um olhar sistêmico e trabalhar com grupos, equipes e toda a organização para mudar a cultura em torno do tema.  

Acervo pessoal. Palestra de Daniela Blickhan “Aufblühen statt Ausbrennen” no Congresso "Positive Psychologie" in Rosenheim, Alemanha, 05.- 06. Juli 2014, reproduzida online pelo Auditorium Netzwerk em Abril 2022 (https://shop.auditorium-netzwerk.de/custom/index/sCustom/727) 

Mais alguns números de burnout: 

  • Pedidos de licença aumentaram em 700% (2004-2012); 
  • Dias de falta aumentaram em 1400% (2004-2012); 
  • 85% dos casos apresentam sintomas adicionais (físicos ou psíquicos);
  • Dos diagnósticos de burnout, cerca de 50% recebem orientação médica em estágios iniciais com a recomendação de simplesmente interromper a roda de hamster (tirar férias, relaxar);
  • Os outros 50% já chegam em estágios com sintomas adicionais de sobrecarga física e/ou psicológica.  

Esses são números da Alemanha, mas há um padrão parecido em outros países como Áustria, Inglaterra e Estados Unidos.  

Como crescer e florescer com experiências de depressão e burnout? 

Ainda as terapias cognitivo-comportamentais tem sido as mais indicadas. Porém, há limitações a se considerar. Martin Seligman, psicólogo especialista em tratamento de depressão, desenvolvendo, aplicando e treinando pessoas em uma das terapias mais conhecidas na Alemanha, vem observando em seus últimos anos de prática que, depois do tratamento: 

“Tratei a depressão e ganhei um paciente vazio” (I’ve got an empty patient). 

Ele observou que um paciente sem depressão pode ainda não estar em contato com sua capacidade de florescer e exercer seu máximo potencial. Daí seu livro dando sequência às suas novas descobertas se chamar Flourish (Florescer). É importante o paciente não ter mais um diagnóstico de depressão, mas há indícios de que, mesmo doente, há possibilidades de um paciente florescer.  

Com esse termo “florescer”, Kies explica que, mesmo estando em algum estágio de adoecimento por depressão, a pessoa pode encontrar um estado psíquico de bem-estar caracterizado por: 

  • Autoaceitação 
  • Relações positivas que nutrem 
  • Autonomia 
  • Eficácia 
  • Sentido e orientação a um objetivo 
  • Crescimento pessoal  

A partir dessas bases nasceu a psicologia positiva. Mas Karl Rogers já sabia disso mesmo antes com sua psicologia humanística centrada no cliente: “Werde wer du bist” (Torne-se quem você é). 

O termo florescer vem da botânica. Com rega, adubo e sol, uma planta pode florescer. Mas como “regar” e “adubar” pessoas?

Daniela sugere ajudar o cliente a descobrir o que importa e faz sentido viver: 

  1. Compreender um objetivo verdadeiro, formulá-lo, reconhecer que vale a pena chegar até lá 
  1. Para o objetivo ser mesmo um objetivo que vale a pena, precisa ser sentido. Não funciona só a pessoa ou alguém dizer que vale a pena. É a compreensão emocional do objetivo que faz a pessoa se conectar e se comprometer com ele. 
  1. Motivação e querer verdadeiros 

Essa tríade é decisiva para um desenvolvimento humano positivo. Daí o interesse crescente na psicologia positiva. Impulsos por seminários, coaching, mentoria podem ajudar, mas precisa estratégia para sustentar.  

Ao trabalhar nas empresas, Daniela relata ter tido mais ressonância ao evitar colocar a palavra “burnout” em seus workshops e programas. No lugar de chamar de “Workshop Anti-burnout”, ela passou a dar um título suave como “Workshop de Forças e Talentos”. O treinamento de liderança chamou de “Be your Best” (Seja o seu melhor).

Há evidências científicas que quando o líder foca nas forças ao invés de focar nas fraquezas, o time melhora seu desempenho (busque estudos do Gallup sobre isso).  

As pessoas também respondem melhor quando são motivadas por valores vividos. É destrutivo para a motivação ter missão, visão e valores pendurados na parede e que não são vividos.  

Entrar em flow (fluxo) é possível também no trabalho, mesmo que a maioria associe flow à vida pessoal, é um mecanismo natural contra estresse que pode ser acessado a qualquer momento. Flow é um estado que libera oxigênio no cérebro e o corpo sai do estado de alerta. A pergunta é: como construir momentos de flow no dia a dia do trabalho? Quem está em flow está no ápice de seu desempenho. Ter suas necessidades psicológicas básicas atendidas é uma forma de impulsionar esse estado.  

Mas não há como fazer isso artificialmente. O que mais faz as pessoas entrarem naturalmente em estado de flow é seu posicionamento perante o trabalho.  

Como está o seu posicionamento?  

  • Emprego: trabalha pra ganhar dinheiro, não vê a hora de chegar sexta-feira e o salário na conta. 
  •  Carreira: Trabalha como um meio de atingir reconhecimento, status, bem-estar financeiro – isso funciona bem até começar a roda de hamster 
  • Chamado ou propósito: trabalha para refletir seus valores pessoais no que faz, vê significado e propósito. Você tem resposta para a pergunta: por que levantar de manhã e ir para o trabalho? Aqui tem mais do estado de flow

A recomendação de Daniela é que todos os líderes passem por programas de treinamento e coaching para tomarem consciência de seus propósitos e ressignificar porque trabalham. Os próprios líderes podem fazer isso e depois, permear nas equipes. 

Treinamentos que promovem incorporar novos hábitos tem melhor resultado quando os participantes encontram um parceiro de aprendizagem para estabilizar esses hábitos. Quando ensinamos em nossos treinamentos os processos de escuta generativa com o Thinking Environment ou Teoria U, sugerimos que uma a duas vezes por semana colegas se encontrem para se apoiarem em seus objetivos. Só o fato de uma pessoa falar de seus objetivos e ter alguém que escuta aumenta a probabilidade de alcançar esse objetivo.  

Para aumentar as chances de ampliar esses treinamentos, Daniela sugere fazer medições e pesquisa com participantes antes, durante e depois do curso (2 meses mais tarde e com grupos de controle 6 meses ou mais). Alguns parâmetros que ela mediu com sucesso: 

  • Parâmetros positivos: florescer, satisfação com a vida, bem-estar subjetivo 
  • Parâmetros duros: depressão, risco de burnout (há testes e questionários adequados para isso) 

Se os efeitos forem verificados após 2 meses, é provável que irão perdurar. A pesquisa de Daniela verificou que a curva de depressão nas empresas onde atuou caiu drasticamente só com o coaching. Em todos os parâmetros positivos houve mudança significativa.  

Em resumo, florescer pode-se aprender. É um processo de aprendizagem que pode ser impulsionado pelo indivíduo ou pela empresa.  

E até mesmo cursos curtos e minimamente invasivos podem funcionar, porque a pessoa pode rapidamente atender algumas necessidades básicas, como por exemplo:  

  • Se sentir eficaz, experimentar a própria competência e tomar consciência das próprias forças.
  • Autonomia, que é o oposto de ser conduzido por outros, ser marionete. E essa é a maior necessidade básica ferida no burnout!
  • Capacidade de se relacionar (relatedness): restaura vínculo, confiança e conexões sociais. É essencial e necessário ter contato olho no olho, presencial e não só na tela, mesmo que por pouco tempo.

Oposto a isso seria a pessoa ficar presa no foco em seus déficits e isso aumenta o risco de adoecer. Por exemplo:

  • Focar no déficit de competência faz a pessoa aos poucos adquirir impotência.
  • Focar no déficit de relações provoca o afastamento social.

Esses 2 pontos acima são receitas para depressão. 

Para finalizar, uma reflexão que pode ser útil para todos nós mantermos nossa saúde mental em dia: 

  1. Escolha uma área da vida para observar.
  2. Como está o “nível de abastecimento” das suas necessidades? Como tem experimentado nessa área da vida a sua autonomia, competência, suas relações.... e outras necessidades? 
  3. Como você cuida ou poderia cuidar mais para se reabastecer nessas necessidades? 
  4. E como isso poderá se manifestar positivamente na área da vida que escolheu observar? 

Informações e relatos extraídos parcialmente da palestra de Daniela Blickhan “Aufblühen statt Ausbrennen” no Congresso "Positive Psychologie" in Rosenheim, Alemanha, 05.- 06. Juli 2014, reproduzida online pelo Auditorium Netzwerk em Abril 2022 (https://shop.auditorium-netzwerk.de/custom/index/sCustom/727)