Grande resignação, demissão silenciosa, depressão e burnout – sintomas atuais de uma revolução no mundo profissional. Em meio a tanta instabilidade e complexidade, muita gente tem buscado mudanças na vida profissional e pessoal.
Compartilho nesse texto alguns pontos da minha própria jornada de transição de carreira e como lidei (e ainda lido) com os medos, bloqueios e as coisas que ainda não estão bem integradas dentro de mim.
Espero que algumas dessas abordagens e recursos sejam úteis para quem está buscando clareza, direção e coragem para a mudança acontecer de dentro pra fora.
Uma mudança de carreira dá certo quando temos clareza da intenção e cuidamos da nossa condição interior para que os pensamentos, a intuição e as ações fiquem coerentes. No meio de confusão, frustração e decepção, arriscamos tomar as piores decisões. Mas às vezes as circunstâncias forçam a mudança: uma demissão, um adoecimento, assédio ou bullying no trabalho podem levar ao limite e a gente não ter outra escolha se não a de aceitar o empurrão do universo para fazer logo a mudança que o corpo e a alma pedem.
Fazer os cursos de Teoria U foram um bom ponto de apoio para clarear minha intenção, pois todo projeto em U começa por isso. Depois de um tempo de solitude, caminhando na natureza em silêncio, escutando a voz interna, as sensações e a sabedoria mais profundas, fui convidada pela facilitadora Marion Goodmann a escrever um journaling com as seguintes perguntas:
Qual é o meu lugar de servir?
Qual é o meu Trabalho (com T maiúsculo)? Onde posso “ser” o meu Trabalho?
Quem estou sendo? O que estou fazendo? Que tipo de pessoa quero ser?
O que quero criar? O que realmente vale a pena?
O que quer nascer através de mim?
Eu escrevia velozmente no meu caderno sentindo um arrepio na espinha, uma alegria. Dali brotou a certeza de que o meu coração indicava a direção certa, contanto que eu silenciasse minha mente o suficiente para escutá-lo. Não sabia ainda ao certo o que iria fazer, mas saí do curso com um protótipo e logo surgiram as ideias e oportunidades que me levaram a fazer o que faço hoje profissionalmente.
Quem quiser conhecer mais sobre o processo U, tem ferramentas disponíveis no site e o curso online e gratuito, com bastante coisa já traduzida para o português.¹
Observei alguns cenários que indicam caminhos e possíveis escolhas:
Empurrão da vida
No meu caso, a vida deu um empurrão quando meu corpo começou a dar sinais de esgotamento e eu não tinha mais condições de continuar. Encerrei o meu contrato. Além do adoecimento, vi também outros casos de pessoas que tiveram a mudança forçada por uma situação de assédio, bullying ou a própria perda do emprego. Aqui a vida escolhe por você e só resta buscar alternativas, porque não é mais possível se manter na situação atual.
Reposicionamento de carreira
A pessoa estagna em sua posição ou forma de trabalho e percebe o impulso para expandir e crescer. Ela pode buscar formas de impulsionar a carreira dentro da própria empresa ou, ser autônoma, buscar cursos, formações ou mentoria para ampliar ou diversificar a atuação.
Novo emprego
Se a pessoa recebeu o empurrão da vida ou não consegue se reposicionar na própria empresa, um novo emprego alinhado com seus valores e propósito pode ser o caminho.
Empreender
No meu caso, percebi que o que eu queria fazer ainda não tinha nome, ou seja, nenhuma empresa iria contratar para cargo que não tem rótulo e termos de referência bem descritos. O jeito era empreender como única forma de experimentar o que eu queria ser e fazer. Conheço coaches com mais de 30 anos de carreira que já atuavam como tal, antes mesmo dessa atividade ser declarada uma profissão. Eu descobri depois de alguns anos que eu estava aprendendo e me apaixonando pelo que se chamava facilitação. Hoje já tem muitas empresas contratando facilitadores e coaches. Às vezes, você vai ter que criar o seu próprio rótulo. Principalmente em um mundo onde 65% dos estudantes que estão hoje no ensino médio irão trabalhar em profissões que ainda não existem, empreender pode ser um bom caminho.
Nova forma de trabalho
“No futuro haverá trabalho, mas não necessariamente emprego” diz a manchete de uma matéria no Estadão2 apontando que as ocupações instáveis e flexíveis, segundo estudiosos, já formam o novo rosto do mercado de trabalho. Trabalhar para uma empresa onde a pessoa é contratada como CNPJ, ou se vincular a aplicativos como Uber e Airbnb, ou virar nômade digital, são formas de trabalho que até pouco tempo não existiam e revelam as mudanças estruturais no mercado de trabalho, atreladas à globalização e à revolução tecnológica.
Conheço pessoas que são coanfitriões no Airbnb e ajudam os donos de anúncios a cuidar da acomodação e dos hóspedes. No período anterior à pandemia a demanda foi tão alta, que o ganho mensal superava ao que a pessoa ganhou em seu último emprego, mas claro, sem os benefícios, seguridade social e direitos trabalhistas.
Quando eu fiz minha transição do emprego para o empreender, minha reserva financeira acabou antes de o negócio dar certo. Considerei essas novas formas de trabalho como possibilidades para eu não precisar desistir da minha ideia e voltar ao emprego. Acabei não precisando dessa alternativa, mas foi bom saber que opção para a sustentação financeira a gente encontra, com um pouco de desapego e flexibilidade.
Me chamou atenção o que o Tiago, criador de conteúdo do Tira do Papel, disse outro dia:
“Muitos projetos não saem do papel por perfeccionismo. O primeiro passo é adiado pelo excesso de planejamento e o desejo (utópico) de ter certeza do resultado. Mas se a única constante na vida é a mudança, acreditar que a nossa ideia inicial não vai precisar se adaptar durante o caminho é uma das expectativas mais irrealistas que existe. Quanto menor o medo de mudar, menor o medo de começar :)”
Para mim, não é só sobre não ter medo, é sobre fazer a mudança mesmo com medo.
Conversando sobre isso com um amigo empreendedor de sucesso, descobri que ele sempre teve medo quando fez suas transições profissionais. E eu achei que era só eu! Ele me contou que tinha uma euforia inicial como forma de encobrir o medo de sentir medo. Na nossa cultura, o medo está ligado ao fracasso.
“Principalmente pessoas do sexo masculino, não gostam de mostrar que fracassaram.”
O medo de ser um fracassado por não ter dado certo uma ideia de negócio provoca um pavor insuportável, ele disse. Esse pavor pode travar mudanças. Ele me contou como foi aos poucos descobrindo liberdade de seguir, mesmo com medo. Ainda mais em um mundo que cobra pelo sucesso e constantes resultados, esse é o grande desafio.
Outro fator de medo é o financeiro. Quando a pessoa está insatisfeita em um emprego, adia a demissão por medo de perder a remuneração e aparente segurança financeira. Quando está empreendendo, pula etapas pela pressão de tempo para atingir suas metas e ganhar dinheiro.
Ao fazer algo muito desconhecido, é importante se preparar para percorrer grandes distâncias com incerteza financeira, por exemplo, poder viver de reservas ou com patrocínio por 6 a 12 meses sem se preocupar com retorno financeiro de imediato. Isso sendo possível, pode aliviar muito a pressão.
Lembro que tive medo de perder o que eu tinha feito no empreendimento e ter que voltar a condição anterior de emprego. Esse tipo de medo gera tanto estresse, que eu fiquei travada tanto para avançar com meu negócio quanto para procurar um emprego. Me sentia despreparada, andando na borda do precipício. Dava dois passos além das pernas e surtava, tinha que voltar para o lugar seguro. Por pressa de ter resultado, me sabotava.
Uma forma para lidar com o desafio anterior chegou agora por e-mail enquanto eu escrevia esse artigo. A The School of Life enviou recomendação do livro “Sobre o fracasso”3 que, ironicamente, estava categorizado na sessão “Calma”. O algoritmo sabe bem o que procuro. 😕
O livro é descrito como um guia tranquilizador sobre como superar o fracasso, ensinando-nos que podemos aprender a falhar bem. Não é sobre não falhar. É sobre aprender a falhar bem!
Quando falei com aquele amigo empreendedor bem-sucedido, descobri que, assim como eu, a maior parte de suas iniciativas não deu certo. Quem vê o sucesso, às vezes esquece de considerar o que a pessoa precisou passar para chegar aonde está.
Um princípio de base do Design Thinking é a prototipagem e pode ajudar aqui: falhe cedo para aprender rápido.
Quando pensei pela primeira vez em sair do meu emprego fixo, lembro de ter pensamentos fixos como “eu não aguento mais”, “não vejo a hora que a semana acabe”. Fui acumulando frustração, até perceber que eu precisava de ajuda.
Iniciei com coaching, depois terapia. Reconhecendo que eu estava em luto e depressão, aprendi pela primeira vez a nomear aquela avalanche de emoções e compreender as fases da mudança e onde eu estava. Abaixo a curva de Kubler Ross que fala sobre isso. Vale a pena pesquisar se tiver interesse em saber onde você está no seu processo de mudança (choque, negação, frustração, depressão, experimentação, decisão, integração).
Fazer parte do meu processo de transição com o acompanhamento de pessoas que já atravessaram crises e estão equipadas profissionalmente para lidar com elas fez toda a diferença. Bons coaches e terapeutas sabem como regular emocionalmente seus clientes e conseguem vê-los pelo seu máximo potencial, não compram a narrativa ilusória do drama apresentado no momento.
Nem sempre temos a capacidade de autorregulação emocional. Aceitar e acolher isso ao pedir ajuda profissional é um ato de autocompaixão. Venho aprendendo muito sobre isso na formação de Compassionate Inquiry que endereça o trauma. Para falar especificamente sobre isso, criei esse blog no medium.
Compartilhar com amigos sobre a pressão que eu vivia também foi, e continua sendo, um caminho de conforto e solução. Mas nem todos os amigos conseguem ajudar em momentos de dificuldade, talvez por não saberem como lidar com a pena que sentem pelos fracassados. Mas daí a gente aprende a diferenciar os tipos de amizade e valorizar cada uma ainda mais.
Whenever you see problems meet with others.
By sharing, you can see more possibilities.Ao encarar problemas, encontre outras pessoas.
(autor desconhecido)
Ao compartilhar, você consegue ver mais possibilidades.
Além disso, rituais diários para balancear as emoções e cuidar da mente, corpo e espírito são base para sustentar qualquer processo da mudança. Cada um pode encontrar os seus.
Que o seu processo de transição seja uma grande oportunidade de integração.
Referências:
¹Página oficial: https://www.u-school.org/.
2Matéria do Estadão: https://infograficos.estadao.com.br/focas/planeje-sua-vida/no-futuro-havera-trabalho-mas-nao-necessariamente-emprego
3Sobre o livro "On Failure" https://www.theschooloflife.com/shop/on-failure/