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Como sustentar processos de mudança quando o caminho novo é incerto?

Grande resignação, demissão silenciosa, depressão e burnout – sintomas atuais de uma revolução no mundo profissional. Em meio a tanta instabilidade e complexidade, muita gente tem buscado mudanças na vida profissional e pessoal.

Compartilho nesse texto alguns pontos da minha própria jornada de transição de carreira e como lidei (e ainda lido) com os medos, bloqueios e coisas que ainda estão se integrando dentro de mim.

Espero que algumas dessas abordagens e recursos sejam úteis para quem está buscando clareza, direção e coragem para a mudança acontecer com leveza e consciência.

1. Identificar a intenção da mudança
Uma mudança de carreira dá certo quando temos clareza da intenção e cuidamos da nossa condição interior para que os pensamentos, a intuição e as ações fiquem coerentes. No meio de confusão, frustração e decepção, arriscamos tomar as piores decisões. Mas às vezes as circunstâncias forçam a mudança: uma demissão, um adoecimento, assédio ou bullying no trabalho podem levar ao limite e a gente não ter outra escolha se não a de aceitar o empurrão do universo para fazer logo a mudança que o corpo e a alma pedem.

Fazer os cursos de Teoria U em 2012 foram um impulso para clarear minha intenção, pois todo projeto em U começa pela intenção. Seguindo a facilitação da admirável Marion Goodmann, saímos da sala e fomos passear pelo idílico local onde o curso acontecia.

Busquei um momento de relaxamento e solitude, caminhei na natureza, fiz uma pausa sem expectativa. De tanto silenciar a mente, consegui escutar minha voz interna. Observei as sensações do corpo, conseguia acessar um lugar mais profundo de sabedoria. Ao retornar, o convite foi para escrever um journaling com as seguintes perguntas:
Qual é o meu lugar de servir?
Qual é o meu Trabalho (com T maiúsculo)? Onde posso “ser” o meu Trabalho?
Quem estou sendo? O que estou fazendo? Que tipo de pessoa quero ser?
O que quero criar? O que realmente vale a pena?
O que quer nascer através de mim?
Eu escrevia velozmente no meu caderno sentindo alegria, um arrepio na espinha. Deste lugar de leveza e tranquilidade, que nada tem a ver com euforia, brotou uma certeza que eu sabia que seguiria. O coração indicava a direção certa, a razão fazia planos somente até onde era possível alcançar, precisava também deixar espaço para o incerto, para o experimentar e errar. Não sabia ainda o que iria fazer neste novo rumo profissional, mas já sabia o que não mais queria e surgia aos poucos uma direção. Coloquei minhas mãos na massa – literalmente, usando massinha e elementos lúdicos – para criar um protótipo, que é um modelo que materializa o que está no campo das ideias.

Tem um poder em modelar as ideias, mesmo que de forma ainda abstrata, pois é uma forma de materializá-las. E não demorou muito, surgiram as primeiras oportunidades de trabalho já nesta nova direção da consultoria de transformação organizacional e, adivinha? O cliente era meu antigo empregador.

Recentemente pensei num novo projeto e usei novamente a prototipagem para modelar a ideia. Olha só de onde saiu a primeira semente da Jornada Catálise de Transição de Carreira que você encontra agora testada, disponível e acessível:

Jornada Catálise
Foto: Momento de prototipagem junto com meu esposo, Steffen

Jornada Catálise
Foto: Cliente da Jornada Catálise prototipa seu projeto profissional. Filho de 4 anos participa, coloca homenzinho perto da mesa de trabalho, diz que é ele podendo ficar perto da mãe

Com o protótipo pronto, que nunca é algo acabado, você pode convidar outras pessoas para sabatinar a sua ideia, fazer perguntas, te desafiar em pontos cegos e ganhar novas perspectivas para refinar o modelo. Importante é sair logo para testar, pois deve ser rápido, de baixo risco e fácil de implementar numa primeira iteração. Permitir o erro mostra o caminho para o que dá certo.
Quem quiser saber mais sobre como prototipar uma intenção, conheça o processo U¹. Tem ferramentas disponíveis no site e o curso online e gratuito, com bastante possibilidade de praticar. Tem tradução no português.
2. Identificar caminhos para a mudança
Conforme fui trabalhando com pessoas em transição profissional, observei alguns cenários que mostram caminhos e escolhas:
Empurrão da vida
No meu caso, a vida deu um empurrão quando meu corpo começou a dar sinais de esgotamento e eu não tinha mais condições de continuar. Encerrei o meu contrato. O adoecimento pode ser uma causa forçada para mudar, mas vi também situações de assédio, bullying ou a própria perda do emprego serem grandes impulsionadores para a mudança acontecer. Aqui a vida escolhe por você. Não é mais possível se manter na situação atual.
Reposicionamento de carreira
A pessoa estagna em sua carreira e percebe que tem um impulso contínuo que a faz querer expandir e crescer. Ela pode buscar formas de impulsionar a carreira dentro da própria empresa, se tornar autônoma, buscar cursos, formações ou mentoria para ampliar ou diversificar a atuação.
Novo emprego
Se a pessoa não aguenta mais ficar onde está, ou recebeu o empurrão da vida como eu, ou não consegue se reposicionar na própria empresa, um novo emprego alinhado com seus valores e propósito pode ser o caminho.
Empreender
No meu caso, percebi que o que eu queria fazer ainda não tinha nome, ou seja, nenhuma empresa iria contratar para cargo que não tem termos de referência bem descritos. O jeito era empreender como única forma de experimentar o que eu queria de fato fazer. Conheço coaches com mais de 30 anos de carreira que já atuavam como tal, antes mesmo dessa atividade ser declarada uma profissão. Eu descobri depois de alguns anos que eu estava aprendendo e me apaixonando pelo que se chamaria mais tarde facilitação. Hoje já tem muitas empresas contratando facilitadores e coaches, surgiu também o termo líder facilitador. Às vezes, você vai ter que criar o seu próprio rótulo. Principalmente em um mundo onde 65% dos estudantes que estão hoje no ensino médio irão trabalhar em profissões que ainda não existem, empreender pode ser um bom caminho (Prognóstico da Universidade de Oxford, 2020).
Nova forma de trabalho
Segundo o prognóstico da Universidade de Oxford (2020), 47% dos empregos terão desaparecido nos próximos 20 anos.

“No futuro haverá trabalho, mas não necessariamente emprego” diz a manchete de uma matéria no Estadão² apontando que as ocupações instáveis e flexíveis, segundo estudiosos, já formam o novo rosto do mercado de trabalho. Trabalhar para uma empresa onde a pessoa é contratada como CNPJ, ou se vincular a aplicativos como Uber e Airbnb, ou virar nômade digital, são formas de trabalho que até pouco tempo não existiam e revelam as mudanças estruturais no mercado de trabalho, atreladas à globalização e à revolução tecnológica.

Conheço pessoas que são coanfitriões no Airbnb e ajudam os donos de anúncios a cuidar da acomodação e dos hóspedes. No período anterior à pandemia a demanda foi tão alta, que o ganho mensal superava ao que a pessoa ganhou em seu último emprego, mas claro, sem os benefícios, seguridade social e direitos trabalhistas.

Quando eu fiz minha transição do emprego para o empreender, minha reserva financeira acabou antes de o negócio dar certo. Considerei várias formas de trabalho como possibilidades para eu não precisar desistir da minha ideia de negócio e ter que voltar ao emprego. Com algum desapego e flexibilidade, encontramos solução nossa sustentação. Mas incerteza financeira é meu maior ponto de estresse, então, esse ponto precisa ser cuidado como um pilar de estabilidade, ou a gente não relaxa para poder ter criatividade.

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3. Identificar o que pode estar impedindo de dar o passo da mudança
Me chamou atenção o que o Tiago, criador de conteúdo do Tira do Papel, disse outro dia:

“Muitos projetos não saem do papel por perfeccionismo. O primeiro passo é adiado pelo excesso de planejamento e o desejo (utópico) de ter certeza do resultado. Mas se a única constante na vida é a mudança, acreditar que a nossa ideia inicial não vai precisar se adaptar durante o caminho é uma das expectativas mais irrealistas que existe. Quanto menor o medo de mudar, menor o medo de começar :)”

Para mim, não é só sobre não ter medo, é sobre fazer a mudança mesmo com medo.

Conversando sobre isso com um amigo empreendedor de sucesso, descobri que ele sempre teve medo quando fez suas transições profissionais. E errou muito, fechando alguns negócios e rompendo com algumas sociedades que não deram certo. Eu achei que era só eu! Ele me contou que tinha uma euforia inicial como forma de encobrir o medo de sentir medo. Na nossa cultura, o medo está ligado ao fracasso.

“Principalmente pessoas do sexo masculino, não gostam de mostrar que fracassaram. O medo de ser um fracassado por não ter dado certo uma ideia de negócio provoca um pavor insuportável”, ele disse. Esse pavor pode travar mudanças. Ele foi aos poucos descobrindo liberdade para seguir, se reerguer, se reinventar, e sempre com medo. Ainda mais em um mundo que cobra pelo sucesso e constantes resultados, esse é o grande desafio.

Outro fator de medo é o financeiro. Quando a pessoa está insatisfeita em um emprego, adia a demissão por medo de perder a remuneração e aparente segurança financeira. Quando está empreendendo, pula etapas pela pressão de tempo para atingir suas metas e ganhar dinheiro.

Ao fazer algo muito desconhecido, é importante se preparar para percorrer grandes distâncias com incerteza financeira, por exemplo, poder viver de reservas ou com patrocínio por 6 a 12 meses sem se preocupar com retorno financeiro de imediato. Isso sendo possível, pode aliviar muito a pressão.

Lembro que tive medo de perder o que eu tinha feito no empreendimento e ter que voltar a um emprego. Esse tipo de medo gera tanto estresse, que eu fiquei travada tanto para avançar com meu negócio quanto para procurar um emprego. Me sentia despreparada, andando na borda do precipício. Dava dois passos além das pernas e não sustentava, tinha que voltar para o lugar seguro. Por pressa de ter resultado, me sabotava.
4. Aprender a errar
Uma forma para lidar com o desafio anterior chegou agora por e-mail enquanto eu escrevia esse artigo. A The School of Life enviou recomendação do livro “Sobre o fracasso”³ que, ironicamente, estava categorizado na sessão “Calma”. O algoritmo sabe bem o que procuro. 😕

O livro é descrito como um guia tranquilizador sobre como superar o fracasso, ensinando-nos que podemos aprender a falhar bem. Não é sobre não falhar. É sobre aprender a falhar bem! Eis o princípio base da prototipagem que citei no item 1: errar cedo para aprender mais rápido.

Quem vê o sucesso, às vezes esquece de considerar o que a pessoa precisou passar para chegar lá.

5. Por que é importante ter apoio e onde buscar?
Quando pensei pela primeira vez em sair do meu emprego fixo, lembro de ter pensamentos fixos como “eu não aguento mais”, “não vejo a hora que a semana acabe”. Fui acumulando frustração, até perceber que eu precisava de ajuda.

Iniciei com coaching, depois terapia. Reconhecendo que eu estava em luto e depressão, aprendi pela primeira vez a nomear aquela avalanche de emoções e compreender as fases da mudança e onde eu estava. Abaixo a curva de Kubler Ross que fala sobre isso. Vale a pena pesquisar se tiver interesse em saber onde você está no seu processo de mudança (choque, negação, frustração, depressão, experimentação, decisão, integração).

Fazer parte de uma rede de pessoas e profissionais que já passaram por processos de transição, atravessaram crises e estão equipadas profissionalmente para lidar com tudo isso fez toda a diferença. Bons coaches e terapeutas sabem como regular emocionalmente seus clientes e conseguem vê-los pelo seu máximo potencial, não compram a narrativa ilusória do drama apresentado no momento.

Nem sempre temos a capacidade de autorregulação emocional. Aceitar e acolher isso ao pedir ajuda é um ato de autocompaixão.

Compartilhar com amigos sobre a pressão que eu vivia também foi, e continua sendo, um caminho de conforto e solução. Mas nem todos os amigos conseguem ajudar em momentos de dificuldade, talvez por não saberem como lidar com a pena que sentem pelos fracassados. Mas daí a gente aprende a diferenciar os tipos de amizade e valorizar cada uma ainda mais.

Whenever you see problems meet with others.
By sharing, you can see more possibilities.
Ao encarar problemas, encontre outras pessoas.
Ao compartilhar, você consegue ver mais possibilidades.
(autor desconhecido)

Além disso, rituais diários para balancear as emoções e cuidar da mente, corpo e espírito são base para sustentar qualquer processo de mudança. Que rituais você tem e pratica?

Que o seu processo de transição seja uma grande oportunidade de crescimento e integração.

Referências:

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