Quando escolhi trabalhar com coaching, desenvolvi a capacidade de ser espelho para as pessoas. Comecei a ver mais claramente os padrões e até nomear com facilidade as disfunções das pessoas. Mas a parte mais impactante do trabalho era quando a pessoa conseguia ver quem realmente era na essência, ver seu Verdadeiro Eu. E o ápice é a pessoa não mais precisar de um profissional para ver quem realmente é.
Em qualquer relação podemos ser espelho um para o outro. Mas para a outra pessoa poder ver quem realmente é na essência, vai precisar um espelho límpido e claro. Para isso, é preciso seguir sempre limpando o próprio espelho, ou seja, cuidar do próprio processo de cura. Quanto mais fizermos isso, mais conseguiremos apoiar no processo de cura de outras pessoas.
Não precisa ser profissional da área médica, de psicologia ou coaching para contribuir com a cura e sanidade de outras pessoas. Há algo que todos podem fazer: sustentar um espaço onde as pessoas consigam se abrir para expressar seus sentimentos e pensamentos.
Qual é a qualidade de alguém que permite às pessoas se abrirem?
Segurança!
Proponho uma reflexão: Com que tipo de pessoa você sente segurança para expressar o que realmente pensa ou sente? E consegue também se abrir para escutar duras verdades? Consegue pensar em alguém?
E como as pessoas ao seu redor se sentem seguras com você para expressar verdadeiramente o que estão pensando, sentindo, ou tendo como experiência real vivida?
A maioria de nós vai lembrar de poucas pessoas com quem se sentem realmente seguros para se abrir. E o que impede as pessoas de se abrirem?
Medo!
Mas, medo de que?
Medo de romper algo na relação, perder o vínculo, medo do que a outra pessoa vai pensar de “errado”, medo do julgamento, medo de ficar vulnerável e se machucar.
O remédio contra isso é a compaixão.
“Somente quando a compaixão está presente, as pessoas se permitem ver a verdade.”
Original: “Only when compassion is present will people allow themselves to see the truth.”
(A.H. Almaas)
Uma pessoa no curso do Gabor Mate se voluntariou para fazer uma sessão de demonstração com um problema real. Para compensar o excesso de trabalho, responsabilidade e tensão, ela começou com o álcool, depois partiu para o uso de drogas recreativas, depois para outras mais pesadas. A pessoa queria agora se livrar dos efeitos negativos do vício e não sabia mais como após vários internamentos clínicos. A cada recaída e novo internamento, a família a julgava e condenava com mais voracidade. Gabor, criando um espaço de compaixão, eliminando qualquer senso de ameaça, perguntou com curiosidade genuína: Qual a funcionalidade da droga para você? O que ela faz por você?
A pessoa relatou então que aliviava seu estresse, relaxava, ficava mais criativa e conectada, conseguia então dar conta do trabalho. Gabor, em um diálogo investigativo, fez a pessoa perceber o quanto é importante e necessário o relaxamento, a criatividade e busca por conexão, mas se interessou em saber por que a pessoa não conseguia isso sem as drogas. Sendo um espelho límpido, a pessoa conseguiu ver a dura verdade: havia uma dor profunda que a droga ajudava a não sentir. Evitar a dor é natural do ser humano. Culpar a pessoa perdida no vício só a faz sentir mais culpa. O ambiente de compaixão fez com que ela visse a verdade sobre si mesma e encontrasse um novo caminho.
Esteja presente, curioso, observando e silenciando os julgamentos, focando no máximo potencial da pessoa, seu Verdadeiro Eu, ao invés de ver uma pessoa que “precisa de conserto”. Convide a pessoa a entrar em contato com o que sente. Entrar em contato com a dor faz com que ela diminua. Evitá-la ou suprimi-la, torna-a maior. Daí as recaídas, pois o medo de sentir a crescente dor é maior do que os efeitos colaterais negativos da droga. Quando a pessoa se dá conta disso, ela encontra o caminho de cura por si mesma. E só precisou de alguém sendo espelho para a pessoa voltar a ver quem é na essência.
“Para que a conexão aconteça temos que nos permitir sermos realmente vistos.”
(Brené Brown)
Recentemente tenho sentido enorme tensão, desconforto e falta de energia em uma organização onde atuo. Fui falar com uma colega sobre isso, comentei que eu não estava mais conseguindo ser autêntica, não conseguia ser “eu mesma” naquele ambiente. Ela de início ficou curiosa para investigar meus motivos, mas logo me cortou e disse: você está sendo autêntica sim! E trouxe outros motivos para me convencer do porquê eu deveria ficar lá, deu conselhos sobre como eu deveria pensar e agir para me livrar do desconforto, descarregando todo seu conjunto de crenças e valores. Me senti infantilizada e nada me ajudou. Lembrei da psicóloga Mirna Lewis1 que trabalha com conflitos e disse em uma palestra: não ser escutada é uma das experiências humanas mais dolorosas. Uma vez que não encontrei escuta naquela pessoa, não me abri mais com ela, e isso provocou nosso afastamento. Afastamento social, junto com a sensação de impotência, são receitas para depressão.
Por sorte, tenho várias pessoas com quem posso buscar essa escuta. Isso me ajudou a resgatar minha dignidade e rapidamente me regular emocionalmente.
Talvez você tenha a sorte de encontrar pessoas que vão sustentar esses espaços de escuta e compaixão para você, talvez o único caminho seja por um profissional qualificado com quem consiga se abrir. Não importa quem seja, que sejam sempre pessoas que consigam espelhar quem você realmente é na essência.