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A guerra começa comigo - Como podemos discordar sem conflito?

Entro na aula com o Dr. Gabor Mate. Antes de iniciar, ele pede licença para contar sobre um conflito que está acontecendo em um dos grupos da formação e, de tão grave, ele mesmo precisa intervir. Ele pergunta:
"É possível discordar sem entrar em conflito?"
“Sim, as pessoas discordam. Até aqui, tudo bem. Mas muitas vezes elas discordam e uma pessoa vira um gatilho para a outra. Também tudo bem, isso acontece o tempo todo. A questão é: como lidamos com isso?”

No caso deste conflito no grupo, as duas partes envolvidas têm a experiência de estarem sendo atacadas, se percebem vítimas e apontam uma para a outra dizendo: “ela é a agressora". A percepção de agressão pela outra parte é tão aguda, que as duas pessoas não conseguem mais falar uma com a outra.

Gabor faz uma distinção entre discordância e conflito. Não há nada de errado nem com um nem com outro. Em ambos os casos, as pessoas divergem em suas visões ou opiniões. Mas no conflito, a divergência é acompanhada de fortes sensações viscerais. Se tomarmos essas sensações como tendo algo a nos ensinar, o que seria?

A conversa desemboca no conflito entre Rússia e Ucrânia. Como praticamente em toda a guerra (e há 11 acontecendo no mundo nesse momento), as partes envolvidas no conflito se percebem como sendo agredidas. Pode ser difícil acreditar, mas a Rússia se vê sob ameaça. Não é objetivo agora entrar no porquê disso ou nas questões políticas e históricas entre esses países, mas um convite para observar, se possível sem julgar, a presença de ameaça e medo nos dois lados. E o medo convida para uma resposta agressiva. A outra parte só vê a resposta agressiva, mas não vê o medo.

“Discordar torna legítimo que temos pontos de vista diferentes, já o conflito está associado a fortes sentimentos viscerais em ambos os lados.”

Créditos da charge: https://www.la-politica.com/guerra-interna-en-el-vaticano/

Se você se perceber em um conflito, Gabor sugere que coloque a atenção primeiramente em você e se faça as seguintes perguntas:
1.   O que está acontecendo comigo nesse exato momento? (Se conseguir, nomeie as sensações, emoções...)
2.   O quanto essas sensações ou emoções são familiares para mim? (Você vai perceber que são bem antigas, se repetem em muitas situações da vida, esse conflito é só mais um gatilho para isso)
3.   Como eu me vejo neste conflito?
4.   Qual poderia ser a experiência da outra pessoa nesse conflito?
Claro que, se você estiver no meio de uma manifestação lutando por justiça racial, climática ou pela paz, e de repente é atacada por bombas de lacrimogêneo, não vai ficar lá parada se perguntando: “o que está acontecendo comigo? Que sensações estou tendo?...”. Siga seu instinto – viva a adrenalina! – e corra para se salvar. Mas em um cenário no qual as pessoas estão comprometidas com seu crescimento e que, mesmo em conflito, a outra pessoa está lá pela mesma razão que você, fazer esse processo é o que mais pode ajudar a resolver o conflito. Desde que seja feito de forma autêntica e verdadeira.

Sem esse processo de tomada de consciência, por não gostarmos de ficar em contato com esses sentimentos viscerais, a tendência é irmos direto para a ofensiva, ou entrar na defensiva que, por sinal, também é uma forma ofensiva.

Talvez você passe pelo processo dessas 4 perguntas e ainda conclua que o comportamento da outra parte é inadequado ou inaceitável. E talvez seja mesmo. Nada justifica as ações destrutivas de uma guerra, por exemplo. Mas fará muita diferença falar disso tendo em mente essa distinção: você pode discordar sem entrar no conflito.

Sempre que existe um conflito, existe toda uma história por trás. Mas independentemente desse conhecimento, fazer esse autoexame é o que mais pode contribuir para a resolução. Quanto mais você se afastar disso e colocar a responsabilidade sobre a outra pessoa, mais se afastará também da resolução do conflito.

Trabalhar sua condição interna para sustentar situações de divergência ou conflito é sempre o caminho mais seguro.

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